Não
adianta saber como.
Não
ajuda compreender por quê.
Não
basta descobrir quem.
“[...]
às vezes o mal nos engana, assumindo a forma mais simples das coisas.” – Pág.
16.
Sinopse:
O
criminologista Goran Gavila e a equipe de investigação de homicídios enfrentam
um caso perturbador: seis braços de meninas entre 9 e 13 anos são desenterrados
em um bosque. Cinco das crianças identificadas desapareceram na última semana.
Conforme os cadáveres emergem, as esperanças de que a sexta menina esteja viva provocam
uma corrida contra o tempo, mas as pistas, em de levarem a equipe ao culpado,
revelam-se parte de um plano friamente arquitetado pela mente cruel e brilhante
do assassino.
Análise
A trama não perde tempo
com rodeios e já se inicia em um clímax pesado nos jogando em meio à
investigação do desaparecimento de seis meninas e o encontro de um cemitério
com seis braços esquerdos. O que inicialmente parece com acaso ganha contornos
muito mais complexos e uma rede de questionamentos são gerados em poucas páginas,
já demonstrando que esse é um daqueles livros que promete entretenimento por
muitas horas ou dias (fato que varia de acordo com o ritmo de leitura de cada
um). Essa é uma característica que vai se manter firme e forte no decorrer do
livro.
Os personagens que
integram o grupo de investigação designado para averiguar os desaparecimentos
das garotas é composto pelos mais variados tipos humanos. Uma mulher que sofre
da incapacidade de manifestar empatia, aspecto anômalo reforçado em seu corpo
de traços pouco femininos que demonstra a dureza de seu interior, um
criminologista que demonstra exímio domínio sobre a capacidade de esmiuçar as
mentes e fatos mais tenebrosos que cercam a nossa civilização e às vezes saltam
das sombras por meio de nossos semelhantes, um homem de fortes convicções
religiosas que parece encarar a sua tarefa policial como um exercício de fé e
combate ao mal, uma mulher que parece se sentir ameaçada pela presença de uma
estranha no grupo do qual já se sente como a fêmea dominante, um homem bem
humorado e que se utiliza de sua veia cômica para aliviar a tensão de sua
profissão e tantos outros personagens com modos e vocabulários diversos.
Uma das coisas
apaixonantes nesse livro, para quem não perde a oportunidade de ler um romance
policial, é que o próprio escritor já trabalhou como criminologista, logo é de
se esperar que as descrições de procedimentos de investigação sejam muito
verossímeis e obviamente não nos decepcionamos, pois as descrições são feitas
em uma narração que flui perfeitamente, sem muitos termos técnicos, o que
poderia tornar a leitura um fardo ou quebrada pela necessidade de recorrer à
dicionários ou outros meios para elucidar, e o brinde maior que nos é oferecido
é que em alguns momentos tais procedimentos são comentados de modo claro e
compreendemos a razão de certos detalhes nas ações como, por exemplo, maneira
de se posicionar para um interrogatório etc. Não temos aqui um “manual completo
do detetive particular”, contudo para os leitores que sempre querem compreender
melhor e mergulharem nos terrenos em que pisam é um banquete digno de um rei!
Os capítulos variam
bastante de tamanho e alternam entre várias cenas, personagens e tempo em
alguns pontos. A trama evolui por muitos caminhos, os quais se aproximam e
afastam como num movimento de respiração, mantendo o enredo sempre vivo e sem
qualquer ponto morto que possa afetar a sua avaliação até mesmo para os
leitores mais exigentes. O leitor se sente como um membro invisível na equipe
de investigação, pois os acontecimentos conseguem acompanhar perfeitamente o
desenvolvimento do pensamento do leitor sem atropelos que poderiam ocorrer em
tramas aceleradas ou que as perguntas não respondidas ocasionassem um aspecto
sombrio nas páginas do livro. Apesar dos inúmeros mistérios suscitados não nos
tornamos vítima da síndrome do “fala demais e explica de menos”. Tudo no seu
devido tempo vai se desenhando, mas, preparem-se, as reviravoltas são tantas
como as subidas e descidas de uma montanha-russa.
Uma marca que torna
este livro distinto de tantos outros do mesmo gênero é como é esculpida a
figura do serial killer, ícone que provavelmente é o mais explorado das
histórias policiais. O serial killer não é percebido como uma figura sombria,
apesar de seus atos serem cercados de velamento, um monstro, uma criatura vinda
de uma dimensão que não a nossa, afinal como poderia ser uma entidade tão
maléfica pertencente ao mesmo lugar que a simpática e gentil velhinha que dá
alimento aos moradores de rua? O serial killer é humanizado, no sentido de que
é reconhecido como uma possibilidade, ainda que assustadora, no desenvolvimento
da psique de qualquer homem ou mulher. Desta forma o serial killer tem sua
principal arma retirada. Que arma seria esta? É a incapacidade das pessoas que
reconhecer aquilo que sequer tem um rosto. Então vocês podem me perguntar: Como
dar um rosto a alguém que você sequer sabe quem é? Primeiro passo: reconhecer
que aquilo ao qual pretendemos dar uma face, tornar reconhecível, é um igual,
nesse caso significa assumir que os seres humanos podem atingir extremos no
abismo e agir com uma crueldade requintada como o afinco de um artista em sua
obra. Todavia quando se entra nessas sendas escuras pode-se voltar com algo
preso em nosso espírito, uma coisa que residia lá nas sombras e agora está alojada
em nossa mente como um verme no cadáver que apodrece abaixo da terra.
O mal nesse livro não é
tão considerado como uma patologia, mas como uma inconveniência social que deve
ser controlada, seja pela nossa própria mente ou por qualquer agente externo
(policia etc). Afinal de contas todos temos nossos pensamentos inconfessáveis e
segredos que enterramos o mais profundamente possível.
Como não poderia deixar
de ser no desenvolvimento do livro começamos a enxergar alguns ângulos menos vistos
dos personagens, passamos a conhecer seus segredos e pensamentos não revelados.
Alguns desses segredos são de tamanho impacto que alteram os eventos
posteriores e outros não influenciam tanto no futuro, mas lançam luzes sobre o
caráter de alguns personagens. Surpresas são o que não faltam em “O Aliciador”.
Donato Carrisi |
O final é espetacular.
Imprevisível e sem sombra de dúvidas completamente fora dos padrões da história
clichê dos mocinhos que caçam o bandido. Talvez alguns leitores mais
acostumados às histórias que seguem um roteiro tradicional se sintam
insatisfeitos, mas é como penso: Se nem na vida real tudo é justo, por que
exigir isso na ficção? O autor não quis orquestrar a narração para atingir um
final idealizado em um mundo perfeito, mas, deduzo eu, ter tecido tudo a partir
de seu olhar para o mundo com o qual já esteve frente-a-frente em seu pior
lado. O lado do qual nasce o serial killer. Donato Carrisi se confirmou como
uma grande descoberta para mim e fico ansioso para ler outras histórias desse
autor! Abraços! Boa leitura a todos!
Editora: Record
Autor: Donato Carrisi
Origem: Italiana
Ano: 2009
Edição: 1
Número de páginas: 434
Acabamento: Brochura
Formato: Médio
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