quinta-feira, 28 de junho de 2012

Resenha: Dom Casmurro


Dom Casmurro, romance do renomado escritor Machado de Assis, é um dos textos brasileiros mais discutidos de todos os tempos, devido, entre outras coisas, à sua complexidade literária que vai bem mais além da superficialidade textual com a qual estamos acostumados, principalmente nos dias de hoje.

Resumidamente a história gira em torno do casal Bentinho (Dom Casmurro) e Capitu, sua amiga de infância e futura esposa. Narrado em primeiro pessoa pelo próprio Bentinho, (já com uma certa idade, solitário e muito provavelmente com a intenção de preencher as lacunas, as pontas soltas de sua existência, ao passo em que revive a infância, a adolescência, a descoberta dos sentimentos por Capitu e o subsequente casamento fracassado) a história tem inicio com ele (Bentinho) indo para o seminário, mesmo sem vocação, para cumprir uma promessa feita pela mãe. Lá ele conhece Escobar e ambos acabam se tornando muito amigos. Bentinho sai do seminário e se casa com Capitu, ao passo em que Escobar se casa com Sancha, amiga de Capitu... 



Capitu engravida e dá a luz a Ezequiel. A felicidade do casal, porém, logo é pontilhada por uma tragédia. Escobar morre afogado e quando ocorre o velório Bentinho acaba percebendo que o sofrimento de Capitu parece maior do que o da própria Sancha. A partir dai Bentinho passa a suscitar dúvidas sobre a fidelidade da esposa e um provável envolvimento dela com o amigo, duvidas que só pioram, quando a mente imaginativa de Bentinho passa a enxergar semelhanças entre seu filho Ezequiel e seu amigo morto. Sofrendo em silêncio, Bentinho começa a delirar, passa a ter ideias de homicídio, envolvendo sua esposa e seu filho e um subsequente suicídio, até que, não mais aguentando, decide por falar com a esposa a respeito. Capitu, apesar de indignada, não confirma e nem nega a acusação de Bentinho. Ao invés disso ela parte com o filho para a Europa, deixando Bentinho sozinho, amargando suas dúvidas aflitivas acerca da fidelidade da esposa. Tempos depois Capitu morre e Ezequiel, já moço, retorna, com a ideia fixa de viajar pela Palestina, Egito e Grécia. Bentinho não só o incentiva como também o ajuda financeiramente, até que, tempos depois, aliviado ele recebe a noticia de que o garoto morrera em plena expedição.

A cerne principal do romance reside na ambiguidade dos sentimentos conflitantes de Bentinho para com Capitu, que, apesar de amá-la, padece de um ciume exagerado, motivado pela dúvida que paira durante todo o romance: Afinal, Capitu traiu ou não traiu Bentinho? No âmago da dúvida, Escobar se transforma (ou, o correto seria afirmar que a imagem que Bentinho tinha dele se transforma), passa da figura de melhor amigo, desde a época do seminário, para amante de sua esposa, uma imagem fantasmagórica que assombraria Bentinho mesmo após sua morte, na imagem retratada de sua prole, na possível semelhança física entre seu filho e Escobar.

Machado não deixou claro, em momento algum do romance, a resposta para a pergunta principal que permeia a obra, apesar de fornecer ao leitor algumas pontas soltas que nos levam a crer que boa parte da visão que temos de Capitu é restrita (já que trata-se do ponto de vista do próprio Bentinho dos fatos) e intelectualmente distorcida pela mente deveras doentia, remoída pelos ciumes, do marido. Não podemos, portanto, confiar na narração do autor. Quando Dom Casmurro narra, por exemplo, a ocasião em que Capitu se vê apaixonada por ele, ele não se lembra muito bem, sua memória seletiva se encarrega de não exaltar estes momentos, não cabem no livro considerações positivas acerca de sua amada. Na visão dele Capitu era muito astuta, o tipo de mulher que já nasceu dissimulada, ao passo em que ele era homem de boa indole, integro e inocente, mas será que as coisas eram realmente assim? O próprio Casmurro admite haver uma certa “manipulação” de ideias, quando diz “Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos  livros omissos” (ASSIS, 1997, p. 82). Quando ele diz ainda: “Eu confessarei tudo que importar à minha história” (ASSIS, 1997, p. 94) também é como se ele afirmasse, ainda que indiretamente, que aquilo que não importa, ou seja, a versão de terceiros ou da própria Capitu, dos fatos ali narrados, não é relevante e que apenas a sua verdade deve ser levada em consideração. É como se toda a trama fosse arquitetada com o único e primordial proposito de incriminar Capitu. Pode-se dizer então que a verdade legitima não existe nas entrelinhas de “Dom Casmurro”, mas sim nos vazios textuais que compõem a obra, naquilo que não foi dito mas que, por vezes, pode ser nitidamente percebido na interação do autor com o leitor, naquilo que encontra-se fora dos limites do livro.

Nesse processo de formação de sentimentos conflitantes, coube a José Dias, (agregado da família, bajulador e superlativista em excesso, como quando da sua própria morte, referiu-se ao dia como “lindíssimo”) o papel de catalisador desses sentimentos. No capitulo “Uma ponta de Iago”, ao visitar o então Bento Santiago no convento, desencadeia a primeira crise de ciumes do protagonista, ao informá-lo da alegria de Capitu: “tem andado alegre, como sempre, é uma tontinha. Aquilo enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, que case com ela...” (ASSIS, 1997, p. 124). Aqui Machado aproveita para fazer mais uma vez uso da intertextualidade característica de boa parte dos seus romances. A menção ao personagem Shakespeariano “Iago” (Personagem da peça "Otelo" que arma uma trama para fazer com que Otelo acredite que sua esposa Desdêmona o traiu.) no título, transmite ao leitor a ideia de que foi José Dias o responsável pelo inicio do seu ciume arrebatador.

A mãe de Bentinho, Dona Gloria, é outra personagem que tem vital importância na formação do carácter distorcido do filho. Assumiu as rédeas da educação de Bentinho desde muito cedo, após a morte do marido. Sua criação de cunho religioso, apegada às tradições, e o desejo de realizar uma antiga promessa, além de ajudarem a moldar o carácter distorcido do filho, fizeram com que ela mandasse o então garoto Bentinho para o Seminário. Bentinho chegou até mesmo a nutrir um misto de sentimentos, alegria e remorso, como quando, certa feita sua mãe adoecera e ficara entre a vida e a morte, viso que se ela morresse ele poderia finalmente sair do seminário. Apesar disso, Bentinho enxerga na mãe um ideal de vida conjugal perfeita, ele queria que sua relação com Capitu fosse igual a dos pais.

"Dom Casmurro" é uma romance que deve ser lido não apenas por ser um clássico da literatura brasileira, mas sim por ser o tipo de livro que transcende os limites do imaginário, um romance que (assim como boa parte das obras do autor em questão) nos faz pensar. Machado não apenas entope páginas e mais páginas de informações esmiuçadas, numa afronta a o intelecto dos seus leitores. Muito pelo contrário. Ele nos convida a pensar, nos convida a tecermos nossas próprias considerações acerca da história ali contada, ainda que ela seja apresentada, em um nível mais superficial de leitura, como uma verdade universal, na visão de um perturbado Bentinho. O tipo de livro que respeita e encara o leitor não apenas como um mero receptor de informações.

3 comentários:

  1. Dom Casmurro é lindo, um dos melhores livros q já li. Creio que Capitu não o traiu, e q tudo foi apenas um ciúme obsessivo de Bentinho.
    Assisti a minissérie e a música Elephant Gun - Beirut não sai da minha cabeça, kkk. Ouçam-na, até que é boa, aproveitem e assistam a minissérie também, ficou muito legal, mas leiam o livro primeiro.
    "Olhos de cigana oblíqua e dissimulada", impossível esquecer essa frase. ^^

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  2. Ah é, sou o Matheus Evangelista, é que agora to usando a conta do google. ^^

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  3. Li esse livro tem mto tempo, mas lembro que gostei mto e que foi um dos primeiros livros que tive de analisar mais afundo. Essa é a pergunta da lit. brasileira e ñ sera respondido nunca. Na minha humilde opinião eu acho que ela ñ traiu.

    Bjus, @dnisin
    http://diamanteliterario.blogspot.com.br/

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