“O Maias” do escritor Português Eça de Queirós, narra a história da Família Maia (mais precisamente de três gerações dela) e tem inicio na Lisboa do século XIX, quando o nobre Afonso da Maia se instala no Ramalhete, um casarão de aspecto sombrio e virtualmente tristonho, que por si só já fornece as primeiras dicas ao leitor do quão desventuroso será o futuro dos protagonistas. A tentativa do autor de descrever o casarão em aspectos quase minuciosos fornece aqui uma ambientalização mais concreta do espaço físico onde ocorre a história, numa representação objetiva e realista que serve como pano de fundo para os fatos trágicos, esses de de carácter mais abstrato, (como bem lembrou Hélio Guimarães em “O romance do século XIX na televisão: Observações sobre a adaptação de Os Maias”), que se seguirão na continuação da história. O Ramalhete está, dessa forma, metaforicamente associado aos aspectos sofríveis do desenlace da trama e dos seus personagens.
No decorrer da trama, Pedro da Maia, filho único de Afonso, cuja índole é de um rapaz “mole”, que padece de uma exagerada proteção feminina, casa-se contra a vontade do pai com a filha de um traficante de escravos, Maria Monforte, com a qual teve um casal de filhos. Para a infelicidade de Pedro, Maria acaba por fugir com um Napolitano, levando com ela um dos filhos (a menina) da qual Pedro nunca mais teve noticias. Devido ao desgosto provocado pela perda da mulher e da filha, Pedro da Maia, que já possuía um senso de inferioridade latente, motivado, além da necessidade protecionista já citada anteriormente, pela educação perfeccionista e religiosa que recebeu quando criança, (que, em um exercício de imaginação talvez um pouco exagerado da minha parte, colaboraram para que se desenvolvesse nele um inconsciente senso auto-destrutivo) suicida-se, e seu único filho restante, Carlos da Maia, acaba sendo entregue aos cuidados do avô.
Carlos cresce e se forma em medicina em Coimbra. Após sua formatura ele regressa para o Ramalhete, onde acaba se envolvendo visivelmente deslumbrado com Maria Eduarda, da qual consegue se aproximar quando é chamado por ela mesma para atender, como médico, a governanta. A partir dai eles passam a manter encontros esporádicos até o momento em que Carlos Gomes, aquele que Carlos da Maia achava ser o marido de Maria, descobre sobre seus encontros e acaba o procurando para dizer que Maria não é sua mulher, mas sim sua amante. Entretanto, essa acabaria por ser a revelação de menor importância para Carlos da Maia, já que um emigrante que surge na história e diz ter conhecido a mãe de Maria, acaba lhe entregando um cofre que era dela e que contém documentos que dizem respeito a uma herança que Maria herdara de seu pai, Pedro da Maia. Os amantes descobrem, da pior maneira, que envolveram-se inconscientemente num relacionamento incestuoso. Sem aceitar tal fato, Carlos opta por manter o relacionamento com a irmã, matando de desgosto seu próprio avô, Afonso da Maia, até que Maria Eduarda, agora rica e ciente da situação, parte para o estrangeiro enquanto Carlos decide viajar pelo mundo.
Embora tenha uma história focada especificamente nos Maias, Eça de Queirós utiliza-se de diversos artifícios literários, as vezes quase imperceptíveis, para retratar uma visão crítica de uma Lisboa do século XIX que se insinua de maneira bastante peculiar, principalmente no que diz respeito a questão do conservadorismo velado e do frustrado espírito romântico/pessimista da época. Com suas descrições minuciosas e o apelo à um enredo carregado de um sentimentalismo quase melodramático (ricamente ilustrado desde o inicio, como se pode notar já no subtítulo do romance: “Episódios da vida romântica”), ele permeou a obra com trejeitos particulares à sociedade da época, seja fazendo menção a situação financeira do país ou até mesmo à mentalidade retrograda da sociedade Portuguesa do século XIX, uma sociedade burguesa que vivia mais de aparências do que de bens financeiros, como, por exemplo, no episódio do Jantar de Gouvarinho, onde questões como a escassez intelectual do País e a decadência dos valores sociais são facilmente observadas, apesar da aparente implicidade delas. O relacionamento incestuoso dos irmãos Maia funciona, nesse aspecto, ao meu ver, como um “tapa na cara” da sociedade Portuguesa, uma ascensão dos valores interiores reprimidos mais por apelo às convenções sociais do que por respeito ao sentimento em si, já que Carlos da Maia não acredita, interiormente, que o “simples” fato de relatarem que Maria é sua irmã a torna verdadeiramente sua irmã, e acaba optando por dar prosseguimento ao relacionamento.
Ao final do romance nos deparamos com a admissão do desencanto de uma vida falha, por parte dos personagens, num deficit existencial quase palpável, quando Carlos, ao retornar para Lisboa, após 10 anos de reclusão, admite para João de Ega, seu amigo intimo desde os tempos da universidade, que não lhe tem sucedido nada de importante no tempo em que passou fora e o amigo retruca, dizendo simplesmente: “Falhámos a vida, menino!”
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